Por André Lima
O dia 29 de janeiro é o Dia da Visibilidade Trans. A comemoração acontece nessa data por ela marcar a primeira vez em que travestis e transexuais adentraram o Congresso Nacional em busca de discutir seus direitos, no ano de 2004.
Ainda assim, vale lembrar daquele que foi o primeiro a enfrentar o status quo e o seletivo sistema de saúde da época, o psicólogo e escritor João W. Nery, o primeiro homem transexual a realizar a cirurgia de redesignação sexual no país. Isso em 1977. Os procedimentos pelos quais Nery passou não tinham aval médico tradicional e nem encontrava literatura médica à época. Quando se tornou João, o psicólogo renomado que dava aulas e palestras perdeu o título e teve que dirigir táxis, pintar paredes e ganhar a vida como podia. Abraçou suas convicções e foi brigar por sua identidade genuína, aquela que enxergava em seu íntimo. “Viagem Solitária”(Editora Leya, 2011) é uma injeção de esperança para todos aqueles que se descobrem na mesma jornada de João.
Hoje, quinze anos depois do marco Trans no Congresso Nacional e quarenta e três anos depois de recebermos o ativista João Nery, a situação ainda passa longe da ideal. Segundo dados do IBGE, enquanto a média da população fica na casa de 75,5 anos, as transexuais só contam com 35 anos. São as agressões na rua, a ejeção do mercado de trabalho, a rejeição das famílias, por exemplo, que abreviam essas jornadas. E provam as Patrícias Araújo, Camilas de Castro, Julianas Araújo e Matheusas que há intolerância e muita estrada para que a sociedade aprenda a exalar amor.
A LIVERJ (Liga de Voleibol do Estado do Rio de Janeiro) conta com atletas trans em alguns times que disputam o torneio. Estrelas, CQV e Cariocas da Gema são algumas das equipes que contam com o talento delas. Kamilla Barros, atleta do Puro Malte(Master), Estrelas(LIGA A) e Açores(35+), é um exemplo de jogadora que desfila seu jogo de excelência nas quadras da Liga.
“Ser trans nesse Brasil é muito difícil. A gente vive 24 horas por dia respeitando preconceito e temos que ter uma válvula de escape que, no meu caso, é o vôlei, que amo e pratico há anos, desde antes da minha transição. Com minha transição, eu via dificuldade em praticar com homens, pois claramente eu tinha desvantagens, tanto físico e até mental, pois nao conseguia realizar os movimentos que antes eram fáceis. Fiquei muito feliz com a regra do COI, que nos possibilitou reintegrar ao meio que amamos e tornar mais justa pelas nossas condições atuais depois da transição. Sobre a LIVERJ, eu só tenho a agradecer a oportunidade que estão nos dando, humanizando todas nós, trans, a fazerem o que realmente nós gostamos, que é nada mais que jogar voleibol. E, como em qualquer outro lugar, tem pessoas que nos aceitam e outras não, digo isso em relação a algumas atletas da LIVERJ, mas isso nao me interfere em nada cada uma tem sua opinião e deve ser respeitada”, diz a oposta Kamila.
A dançarina e cozinheira Thifany Vorgen, 37 anos, ativista na área LGBTI, já passou por situações muito pesadas na área profissional. Como não arrumava emprego formal, por causa do preconceito, foi obrigada a se prostituir nas ruas. Ela diz que viu muitas pessoas trans entrarem em depressão e se matarem. Embora o preconceito ainda esteja muito presente, ela diz que as lutas do povo LGBTQI+ facilitaram o caminho. Hoje ela trabalha em um emprego formal, mas se entristece em observar que nem todas ganham o mesmo destino. Descreve também um cenário que as trans são alvo dos homofóbicos e dos transfóbicas. Coisa dos homens de bem que trafegam pela sociedade atual.
A estudante Karina estava no pátio aguardando para receber o comando para retornar para a sua sala de aula. A coordenadora pede que meninos e meninas se enfileirem conforme o gênero. Karina entra na fila dos meninos. Por mais que a autoridade escolar esbraveje, ela fincou o pé no posto que entendia como seu. Virou ele naquele ato inocente. Ali nasceu Jake, discípulo de João W. Nery, o patriarca dos trans, autor da passagem por onde virão vários e inspiração de muitos. Que encontrem um mundo mais esclarecido e com muito mais amor. E que os trans sejam visíveis pela sociedade e pelos governantes em todos os dias do calendário.
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